Marta Encinas, analista da OCDE
(Foto: Divulgação/OCDE)
As políticas públicas devem ter como objetivo a educação igualitária
para todos os alunos desde o início do ciclo escolar, mas não podem
deixar de oferecer formação continuada aos adultos durante toda a sua
vida profissional, defende a analista da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), Marta Encinas. "A educação não acaba
na escola, é algo que os adultos brasileiros precisam entender", afirmou
a especialista espanhola.
Responsável pela coordenação de uma avaliação aplicada pela OCDE
em adultos de 16 a 65 anos em 23 países, Marta esteve no Brasil em
abril para apresentar os resultados do Programa para a Avaliação
Internacional de Competências Adultas (Piaac, na sigla em inglês).
Semelhante ao Programa de Avaliação Internacional dos Estudantes, o
Pisa, o Piaac foi aplicado entre 2008 e 2013 em países como Suécia,
Irlanda, Estados Unidos, Espanha, Rússia e Japão.
Cruzando as informações com os dados do questionário, a OCDE conseguiu
traçar um perfil que relaciona os conhecimentos dos adultos com seu
êxito profissional: "O salário médio por hora dos trabalhadores com alta
qualificação supera em mais de 60% o dos trabalhadores com baixa
qualificação", afirma ela.
Em um teste com cerca de 45 minutos, os participantes tiveram que
responder a diversos tipos de perguntas para demonstrar seus
conhecimentos em compreensão de leitura, matemática e outras
competências relacionadas ao trabalho, incluindo a habilidade de
trabalhar em equipe e o domínio das tecnologias de informação e
comunicação.
O Brasil, por enquanto, não participa do Piaac. Segundo o MEC, a
possibilidade de o Brasil aderir à prova internacional que avalia os
conhecimentos dos adultos ainda está em análise.
Leia a seguir a entrevista concedida por Marta ao G1, por e-mail:
Surpreende o resultado do Piaac sobre a relação entre competências e salário?
Sim, as implicações para os indivíduos são grandes. O salário médio por
hora dos trabalhadores com alta qualificação supera em mais de 60% o
dos trabalhadores com baixa qualificação. Em alguns países como os
Estados Unidos, esta diferença é ainda maior, enquanto que, em alguns
países da Europa do Leste, os salários estão mais reduzidos e a
diferença é menor.
Os adultos com nível escasso de competência de leitura também têm mais
de três vezes mais chance de estarem desempregados que os bem formados.
Mas o impacto das competências vai muito além dos salários e do emprego.
As pessoas com menor competência em leitura estão três vezes mais
propensas a ter problemas de saúde, e também mais propensas a crer que
têm pouco impacto nos processos políticos –é dizer, a achar que são mais
um objeto das decisões políticas que atores delas–, e além disso tendem
a não participar nas atividades associativas, ou de voluntariado, e a
se manter à margem da sociedade.
Essas relações não se sustentam só para os indivíduos, mas também se
aplicam aos países: o salário per capita são maiores nos países com
menor proporção de adultos nos níveis mais baixos de competência, e com
maior proporção de adultos que alcançam os mais altos níveis de
competência leitora ou matemática.
No caso das desigualdades, é importante assumi-las desde cedo, e fazer
um esforço especial em relação aos alunos com desvantagens sociais, já
que na maioria dos países eles acabam virando os adultos com nível muito
baixo de competências"
Marta Encinas,
analista da OCDE
Países como os Estados Unidos não obtiveram nível de excelência
tão alto (entre os alunos mais ricos) que países nos quais o nível
socioeconômico não afeta tanto os estudantes. O Brasil, um país com
ainda maior desigualdade social, também pode ter resultado parecido?
As características especificas do Brasil só poderemos conhecer se ele
participar do Piaac, para poder fazer uma análise personalizada do seu
caso. No caso das desigualdades, é importante assumi-las desde cedo, e
fazer um esforço especial em relação aos alunos com desvantagens
sociais, já que na maioria dos países eles acabam virando os adultos com
nível muito baixo de competências. Esses adultos acabam sendo um peso
para o país, e colocam em risco o bem estar de todos, já que costumar
ter grande dificuldade de encontrar trabalho, não participação da
formação de adultos e costumam ter pior condições de saúde, o que supõe
um grande custo para o sistema de saúde de um país, e costumam
necessitar subsídios. Além disso, os países com um grande número de
adultos com baixas competências não conseguem introduzir inovações e
aumentar sua produtividade de maneira consequente com o mundo de hoje.
Educação de Jovens e Adultos EJA (Foto:
Reprodução/TV Vanguarda)
O fato de que em todos os países participantes entre 7% e 27%
dos adultos não sabem nem sequer usar o mouse do computador é um sinal
de que as políticas de educação não são capazes de lidar com as mudanças
tecnológicas a uma velocidade adequada?
No Piaac, vimos que a lacuna da leitura também é uma lacuna digital,
quer dizer, os adultos com um baixo nível de competência em leitura têm
dificuldades em usar os computadores. Isso equivale a milhões de adultos
lutando para sobreviver em uma sociedade que mudou profundamente, que
cada vez mais está interconectada e baseada na economia do conhecimento,
e onde a tecnologia está cada vez mais presente
.
Não só a educação básica está falhando, mas a educação ao longo da
vida, já que hoje em dia não podemos deixar de nos educarmos no ritmo
com que o mundo evolui. A educação não acaba na escola, é algo que os
adultos brasileiros precisam entender e queremos enfatizar isso
aplicando o Piaac no país, especialmente sendo o Brasil uma economia tão
importante nestes momentos.
A educação não acaba na escola, é algo que os adultos brasileiros precisam entender"
Marta Encinas
O relatório diz que países que investem na educação continuada
para adultos tiveram melhores resultados no Piaac. Mas alerta que, se a
educação primária não é boa, os resultados da educação para adultos não
serão animadores. Há, então, uma relação entre o tempo dedicado aos
estudos formais e a metodologia educacional?
Nos países com resultados melhores, seu grande êxito recai no fato de
que formam todas crianças e adultos por igual, sem discriminação por
nível socioeconômico de seus pais, como ocorre em grande parte da
América Latina. Uma educação mais personalizada e com um maior apoio,
para os jovens que precisam disso, é muito importante.
Os adultos com baixo nível de competências se arriscam a ficar presos
em uma situação em que raras vezes se beneficiam da educação de adultos,
e suas competências seguem sendo fracas ou se deterioram com o tempo –o
que torna ainda mais difícil para essas pessoas participarem de
atividades de aprendizagem ou do mercado laboral. Isso apresenta um
desafio político formidável para os países, com grandes proporções de
adultos com baixas competências. Ajudar aos adultos pouco qualificados a
quebrar esse ciclo é crucial.
O Piaac nos tem permitido identificar os adultos com maior risco de
exclusão. É importante conscientizar estes adultos dos desafios
econômicos e sociais que sua falta de formação lhes ocasiona, e ao mesmo
tempo que traz os benefícios da melhora das competências aparentes.
Melhorar o ensino da leitura e da matemática nas escolas e em programas
para adultos com baixas competências e pouco familiarizados com as
tecnologias de informação e comunicação pode aportar ganhos econômicos
consideráveis para os indivíduos e para a sociedade em seu conjunto, e
um maior bem estar social para todos.
A avaliação disponível no site da OCDE tem poucas perguntas. Quantas perguntas tem o teste real?
A avaliação real tem muitas perguntas de compreensão de leitura,
matemática e resolução de problemas, assim como perguntas sobre o tipo
de competências que se usam no trabalho, como comunicação, trabalho em
equipe, colaboração etc. A avaliação vai se ajustando ao nível de
dificuldade que o adulto experimenta para estabelecer o nível exigido. A
avaliação consiste em um questionário de contexto que dura cerca de 45
minutos e uma prova de domínios cognitivos, que dura ao redor de uma
hora.
O teste é aplicado só pelo computador, ou também em papel?
As pessoas que têm dificuldade com o uso do computador realizam o teste
em uma versão mais tradicional em papel, e obtêm resultados totalmente
comparáveis. Os países com uma porcentagem baixa de pessoas que usam
computador também podem optar somente pelo teste na versão em papel,
como faz atualmente a Indonésia.
Esta versão online é um exemplo de perguntas. Ela se chamará "Educação e
formação online" e estará disponível em setembro deste ano para os
países participantes, para que os indivíduos possam medir seu nível de
competências. Os adultos que queiram conhecer seu nível de competências
receberão um informa com seu nível comparado com os resultados do Piaac
de seu país e internacionalmente, e poderão se comparar com indivíduos
com um background similar ao seu em educação, ocupação etc. E ver se
necessitam atualizar e melhoras suas competências. As instituições que
desejarem poderão utilizar essa ferramenta para avaliar as competências
de grupos objetivos, por exemplo, adultos com baixo nível de
competências que necessitem formação, ou alunos universitários, para
diagnosticar o nível adquirido depois de uma formação.
Qual é a política de educação de adultos mais difícil de se implementar? Por quê?
Todos os pontos chave [para políticas pública sugeridos pela OCDE] são
os dados que o Piaac nos mostra de cada país. Primeiro é que é muito
necessário ter esses dados por país, é muito importante avaliar, porque o
que não se vê não se pode mudar. Uma vez que vemos as características
específicas de cada país, podemos realizar as políticas necessárias de
mudança, sejam estas a nível de educação, emprego ou economia ou de
migração. Outro fator importante do Piaac é a sua comparação
internacional. Ao nos compararmos com outros países, podemos ver como
eles têm sido bem sucedidos em implementar certas políticas e como
fizeram isso.
E qual é a política mais difícil de implementar sobre a relação entre competências e a economia?
Todos os pontos chave têm seus desafios, mas provavelmente garantir que
todas as crianças tenham um bom início no ciclo básico de ensino [é o
mais difícil]. Isso requer muitas mudanças, e a principal seria ter
professores de grande qualidade, sobretudo para as crianças com mais
desvantagens. O Piaac nos dá o nível de competências por ocupação do
adulto, e quando avaliamos as competências dos adultos, nos damos conta
de que o nível de competências dos países com piores resultados
educativos é bastante baixo, comparando com países com grande êxito e
igualdade, como Finlândia, onde os melhores alunos são selecionados para
serem professores. Ao mesmo tempo, os países com políticas de sucesso
formam os professores ao longo de sua vida profissional. Os melhores
sistemas acreditam que todas as crianças conseguem aprender. Um bom
professore acredita que todas as crianças valem a pena.
FONTE: G1 - DISPONÍVEL EM: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/05/educacao-nao-acaba-na-escola-diz-analista-de-prova-mundial-para-adulto.html ACESSADO EM 01/06/2014