Vamos imaginar um professor que acaba de apresentar um conteúdo para a classe.
No breve instante em que os alunos fazem seus registros, ele pensa: será que isso que estou ensinando é importante?
Esse questionamento se desdobra em outros: Será que os alunos usarão esse conhecimento em algum momento de suas vidas fora da escola? Será que esse conhecimento de alguma maneira mudará a vida dos alunos para melhor? Será que esse conhecimento interessa aos alunos?
O professor olha então para a lousa e pensa que o conteúdo que acabou de apresentar talvez não importe. E passa a imaginar como seria ótimo se tudo o que ensinasse tivesse de fato significado para a vida dos alunos.
Ele pensa que uma aula ideal partiria de um problema real da vida dos alunos. O professor mostraria como certos aspectos teóricos da área em que é especialista iluminam aquela questão. Então os alunos, de posse daqueles conhecimentos, poderiam rediscutir o problema, encaminhar uma solução. Ao final, teriam refletido sobre questões que podem melhorar suas vidas.
Mas então o professor cai na real.
Lembra-se de que existe a expectativa de que ele “cumpra” todo o livro didático: dos alunos, dos pais, da coordenação e direção da escola.
Lembra-se de que alguns alunos querem passar no vestibulinho, no vestibular ou tirar uma boa nota no ENEM.
Lembra-se de que ele, professor, ingenuamente, fez um planejamento otimista no início do ano, mas que agora não terá tempo de cumprir. A turma deste ano tem um ritmo mais lento que a turma do ano passado e certas atividades têm levado mais tempo que o costumeiro. Lembra-se de um aluno que é diferente dos outros (pode ser deficiente visual, disléxico, portador de TDAH, cadeirante, ter problemas graves na família…) e que precisa de atenção. Lembra-se do aluno ligeiro, que sempre termina antes dos outros e também precisa de atenção.
Nesse momento, o planejamento que o próprio professor elaborou pode se virar contra ele, pois o diretor da escola, o supervisor de ensino, o secretário de educação podem questioná-lo a respeito.
Lembra-se de seu professor, que atuava na mesma área em que ele, e de como ele conseguia ir “mais longe” nos conteúdos. “Será que a falha é minha?” – pensa o professor.
Lembra-se das cobranças da coordenação geral da escola, exigindo que ele utilize o tempo de algumas aulas para participar de certo projeto. Lembra-se das inúmeras cartilhas que recebeu: Educação sexual, Educação para o trânsito, prevenção contra a tuberculose, prevenção contra a dengue, uso racional da água, economia de energia, empreendedorismo, proteção ao meio ambiente, robótica para iniciantes. Lembra-se das ONGs que têm feito parcerias com sua escola e com quem há muitas oportunidades de colaborar.
Lembra-se de que em breve acontecerão eleições, que seus alunos estão muito mal informados sobre o assunto e que gostaria de abrir espaço em suas aulas para aprofundar a discussão sobre política. Lembra-se de uma novidade noticiada ontem na televisão e que gostaria de comentar com os alunos, mostrando como se relaciona com os conteúdos que estudaram no mês passado.
Lembra-se dos colegas das séries posteriores que comentam todos os dias sobre como os alunos estão chegando “fracos”, como não sabem fazer tal e tal atividade, como não sabem sequer ler um texto, como não sabem nem mesmo os conteúdos mais básicos. Lembra-se dos colegas das séries anteriores, que avisaram no começo do ano que, devido aos feriados do ano passado, não conseguiram tratar de todos os conteúdos previstos, e que por isso será necessário começar de um ponto anterior.
E, ainda por cima, com poucas aulas por semana…
O professor olha novamente para a lousa e repensa: será que isso que estou ensinando é importante?
Diante de tantas cobranças e pressões, para que lado seguir? Dentro do oceano de possibilidades, o que escolher? Como fazer as adaptações mais adequadas à sua turma?